quinta-feira, 15 de abril de 2010

Aula Araraquara: Pedagogia Divina

Escola Diocesana Catequética Regional RPII

Diocese de São Carlos

Disciplina – Pedagogia Divina I

Docente – Neyde M. A. Felippe – Psicopedagoga, Pós- Graduada em Catequética – PUC – Paraná, Mestranda em Psicologia da Educação

Ementa:

- Um tempo de preparação: Deus dialoga com a humanidade e revela o seu nome.

- Um tempo de instrução: Deus acompanha o seu povo, lhe dá instruções e revela a sua vontade e seu plano.

- Um tempo de realização: Deus concretiza a promessa e revela o seu Reino, seu projeto de verdade e justiça.

“A catequese enquanto comunicação Divina inspira-se radicalmente na pedagogia de Deus “(DGC 143).

O CIC (Catecismo da Igreja Católica) nos ensina que Deus vai ao encontro do homem e a ele se revela (53). Deus se comunica gradualmente ao homem, prepara-o por etapas para acolher e colaborar com seu plano de amor.

A DV (Dei Verbum, 2) nos ensina que “Esse plano de revelação se concretiza através de acontecimentos e palavras intimamente conexos entre si, de forma que as obras realizadas por Deus na História da Salvação manifestam e corroboram os ensinamentos”.

Introdução

O mundo em que vivemos não é mais o mesmo que nossos antepassados viveram. Eles nasceram e se formaram cercados de sinais e símbolos da fé cristã, numa sociedade predominantemente católica. Hoje crescemos e nos formamos num mundo plural em todos os sentidos: social, econômico, religioso, cultural, etc.

A religião e a fé não são passadas desde o berço e sim em meio a um mundo de várias linguagens, religiões e o cristianismo se encontra no meio dessa pluralidade.

Para realmente dialogar com esse mundo de hoje, há de haver disposição por parte dos catequistas, agentes de pastorais, enfim por parte dos cristãos, de encontrar palavras novas para dizer coisas essenciais e fazer-se entender baseando-se inteiramente na pedagogia de Deus.

Como falar de Deus e de sua pedagogia hoje?

Falar de Deus só é possível a partir do próprio Deus, isto é, da experiência de Deus que as pessoas vão fazendo e da compreensão dessa relação amorosa, inseparável, permanente e recíproca com o Pai e sua vontade.

Falar de Deus é possível, porque Ele se revelou a si mesmo como Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo. Sabemos disso porque lemos a Bíblia, celebramos na Igreja e confirmamos com nossas vidas.

Impõe-se hoje, mais do que nunca refazer o caminho do povo de Deus em Israel, acompanhar, participar do processo, não tão lindo e tão poético que muitas vezes nos passaram, mais essencial para podermos ajudar realmente o povo de Deus a encontrá-lo e experimentá-lo profundamente e definitivamente.

O nome de Deus – Um Tempo de Preparação

O nome de Javé (Jeová) aparece do principio ao fim do Gênesis e, segundo Gn 4,26 remonta às origens da humanidade. No entanto, de acordo com Ex 3, 13-15, o nome de Javé se revela pela primeira vez a Moisés e não aos patriarcas (Ex 6, 2-3).

Os livros de Gênesis e Êxodo, além de utilizarem a palavra Javé para denominar Deus, empregam outros nomes para referir-se a ele. A seguir veremos dois jeitos de chamá-lo, primeiro um Deus mais pessoal e em segundo um Deus mais ligado a um lugar:

1-) Gn 31, 5.42; Ex 15, 2; 18,4; Gn 24,12.27.42.48; 26,24; 28,13; 31,53; 28,13; 32,9; Ex 3,6. 15.16; 4.5.

2-) Gn 14, 18-22 EL Elyon (o Deus Altíssimo); Gn 16,13 EL Roi (o Deus que me vê); Gn21,33 El Olam (Deus Eterno); Gn 33,18-20 El Elohe Yisrael (Deus de Israel); Gn 31,13 El Betel (Deus de Betel); Gn 17, 1; 28,3; 35,11; 43,14; 48,3; 49,25 ( El Shaddai (Deus poderoso).

Diante da polifonia das nomeações de Deus, pode-se perceber que o momento histórico de seu povo é o fio condutor da revelação de Deus, e que sua pedagogia é certamente de um Deus que acompanha, guia e protege a família e a humanidade e que Seu Nome e Sua intervenção correspondem à realidade dos seus eleitos.

Estudar e refletir a pedagogia de Deus certamente alicerça concretamente a nossa vida e nossa missão. Pode mostrar o processo de nossa caminhada, se estagnamos ou avançamos no entendimento dessa revelação, e se o nome de cristão que recebemos e nosso comportamento correspondem ao projeto de Deus.

O nome de Javé é um tetragrama sagrado: YHWH (Ex 3,14ss). Ele se revelou a Moisés para o serviço do povo, em beneficio de Israel e continua se revelando a nós para que a salvação chegue a sua plenitude. Hoje Ele se revela definitivamente como Abba,Pai (Mc14,36; Rm8,15; Gl4,6) e nos coloca como irmãos, junto com Jesus e o Espírito Santo e não há mais diferença entre judeu e grego, entre homem e mulher, somos um só em Jesus Cristo.

Um tempo de instrução

O Antigo Testamento conta a relação onde Deus e o ser humano são parceiros, relação essa transformada incessantemente por novas situações. Há uma descrição das constantes do comportamento de Deus e das respostas do povo. Há o relato de uma aventura amorosa – eleição de um povo, compromisso histórico de Deus com seu povo.

No AT não há só uma teologia sobre Deus, mas muitas. O fio condutor entre todas elas é que Deus é um Deus pessoal e único, que propõe uma aliança de amor com seu povo e que tem uma pedagogia progressiva que vai fazendo o povo perceber cada vez mais elementos da identidade de seu Deus e prepara-os para sua revelação definitiva

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A Pedagogia de Deus – Um Tempo de Realização

Deus revela seu “projeto benevolente” CIC nº 51; “Aprouve a Deus, em sua bondade e sabedoria, revelar-se a si mesmo e tornar conhecido o mistério de sua vontade, pelo qual os homens por intermédio de Cristo, verbo feito carne, no Espírito Santo, têm acesso ao Pai e se tornam participantes da natureza divina”.

Ler Hb 4,15; I Tm 6,16; Hb 1,1s; Jô 1,18.

São Ireneu de Lião fala repetidas vezes desta pedagogia divina sob a imagem da familiaridade mútua entre Deus e o homem: “O Verbo de Deus habitou no homem e fez-se filho do homem para acostumar o homem a apreender a Deus e acostumar Deus a habitar no homem, segundo o beneplácito do Pai”.

Desde a origem, Deus se dá a conhecer. A revelação de Deus é inseparável da experiência e práxis do ser humano. Para nós cristãos, toda a história desse encontro entre Deus e o ser humano está registrada e pode ser conhecida na Bíblia.

Ouvir a palavra de Deus é inseparável de fazer sua vontade. Por isso a escuta da Bíblia é uma escuta obediente, porque é a escuta de um Deus que fala agindo fazendo agir, Sua Palavra é eficaz porque faz o que diz e faz fazer aquilo que diz. Se o comportamento humano não é transformado pela experiência da escuta da palavra, então é uma falsa escuta, duramente denunciada pelos profetas. Adorar a Deus e servir ao irmão faz parte da mesma experiência de Deus e são inseparáveis.

Conversar e Responder:

Você acha que na catequese é ensinada a correlação entre o Deus do AT e do Novo Testamento. Como é anunciada a pedagogia divina? O que pode ser feito em relação a isto?

“Deus quer que todos os homens sejam sábios e cheguem ao conhecimento da verdade” (ITm 2,4), isto é, de Jesus Cristo. “É preciso, pois, que Cristo seja anunciado a todos os povos e que desta forma a Revelação chegue até as extremidades do mundo”. CIC 74.

Esta é a vontade de Deus e deve ser a nossa vontade. Após esta breve explanação sobre a revelação de Deus no AT, é preciso fazer um corte transversal nas respostas do povo de Israel ao longo de todo o caminho para descobrir e entender como este povo foi assimilando pouco a pouco, com altos e baixos todo o processo pedagógico da revelação de Deus e como esse entendimento pode trazer conseqüências, em nossa vida e na vida da comunidade eclesial.

A paciência de Deus com os homens e as mulheres do seu povo, as etapas que percorreu até chegar à plenitude do tempo e da revelação com Jesus, pode nos ajudar a perceber que muitos de nós ainda permanecemos no AT, em termos da experiência de Deus. Somos destinados a experimentar plenamente o conhecimento da verdade para sermos de fato pessoas humanas, criadas para a comunhão com Deus e com os irmãos.

É preciso dar um passo para frente, embora conservando toda a riqueza ai recebida e aprendida e receber a grande e radical novidade da revelação de Deus que Jesus Cristo nos traz.

Etapas pré-cristãs da descoberta de Deus

1-) Primeira etapa: Muitos mantêm a idéia do Deus terrível (900-800 AC), tempo de conquista da terra e dos primeiros reis.

Textos fundamentais:

Gn 4,13; Ex 3,1ss; Ex 19,10ss; Ex 20,18-20; Ex 30 25ss; I Sm 6, 11-16; 2 Sm 6,3-7.

Nessa fase o foco da caminhada cristã é muito centrado sobre a necessidade da purificação para o encontro com Deus. Os puros Deus acolhe, os impuros Deus rejeita (Ex30,25ss). Quem permanece nesta fase pode exprimir algumas idéias tanto na vida como na pastoral:

- A superstição; eficácia do sagrado colocada nas coisas e nos ritos externos;

- A crença; uma certa mágica de certos ritos (os sacramentos desvinculados da prática).

- A promessa; “Deus dará o que eu peço, se eu cumpro uma série de prescrições externas”;

- As indulgências concebidas como “compra da salvação”;

- A liturgia como uma certa magia, que atua independentemente da compreensão e participação da assembléia, basta assistir. Quanto mais se comunga, mais “capital salvífico” se tem guardado para a hora da morte e do julgamento;

- A concepção que o clero e as pessoas consagradas são mais santas do que as outras;

- Dar mais importância à formula dogmática – conteúdo do que à mensagem.

- A vida moral, religiosa baseada em proibições : “Pode e não Pode”

Israel passou por essa etapa, hoje muitos de nós experimentamos e podemos cair na tentação de ficar aí. É preciso passar e superar, passar à etapa seguinte, assim como fez o povo de Deus.

2-) Segunda etapa: O Deus da Aliança

Textos fundamentais:

Dt 26,5ss; Jz 11, 17,24; Mq 4,5; Os 1,14ss; Am 5,21; Is 1, 9-17; Dt 5, 1ss; 6, 1-3; 7, 1-13; Os7, 9-11; Is 31, 1ss.

Continua não sendo um Deus Universal, mas ainda o Deus de Israel.

De 900 aC. Em 721 acontece a destruição do Reino do Norte. Corresponde aos primeiros grupos de profetas (Isaias, Amós, Miquéias, Oséias). É a redação de Juízes, Reis e Deuteronômio.

Essa etapa revela um Deus que se aproxima mais do ser humano. Israel aparece como a esposa de Javé. Ele é o esposo de Israel (Os 2, 14ss). Javé não quer mais ritos externos, mas o coração do ser humano (Am 5,21).

É o povo dando mais um passo e aprende que não pode parar. A revelação cristã definitiva recapitulará isso tudo em Cristo.

Algumas idéias e práticas que podem acontecer:

Cristãos mais ativos, porém fundamentalistas e proselitistas;

A divisão do mundo em 2: bons x maus, mundo x igreja;

Usam o nome de Deus para fins próprios e justificam comportamentos muitas vezes desumanos e desiguais;

Acreditam na teologia da prosperidade: “Os ricos merecem sua riqueza. O que fiz eu para merecer este castigo?”;

Uma religião intimista: “Meu Deus, minha Eucaristia, meu pároco,.....

3-) Terceira etapa: O Deus transcendente e criador

Textos fundamentais:

Is 66,23; Ez 21, 8ss; Sl 1; 37, 25; 58,12ss; 44, 14-23; 73, 13-16; 17, 20; Jó 4,12ss; Jó 9, 22-23; 7,19-21; 38; 30,33-42, 1ss; Ecl 3, 16-22.

Ano 550 aC – Tempo do exílio e restauração (Esdras e Neemias), da redação da fonte sacerdotal (Gn, Ex, Nm, Lev), dos profetas exílicos (Deutero e Trito Isaias, Ezequiel) e dos sábios (Sapienciais, Salmos, Provérbios, Jó, Eclesiastes).

Idéia de Deus; Deus é o criador do céu e da terra. O povo aprendendo no cativeiro. Isaias, profeta da esperança: Deus vai resgatar Israel.

Enfatiza a absoluta transcendência de Deus que é vida, mas não impede a desgraça, a morte e a infelicidade, mesmo daqueles que são justos. O ser humano desta etapa vai descobrir que Deus não faz acepção de pessoas e que é preciso rever a noção de aliança. Aparece a noção de sono de Deus (Sl 44, 24-27). Deus parece dormir. Deus demora, mas virá (Sl 73, 17-20).

Quem para nessa etapa pode apresentar:

- passividade excessiva

- Um tipo de espiritualidade que estimula uma passividade e mesmo um fatalismo

- O pecado moral é mais importante que o pecado social

- Um reforço na piedade individual, em detrimento de uma liturgia e vida eclesial mais comunitária

4-) Quarta Etapa: O salto além da morte

Textos fundamentais:

Sb 1, 13-14; 12; 15; 16; 2, 1-11; 12-20; 3, 1-5; 5, 1-5; Sl 115, 17; 88

Anos 177-175 aC. O imperador grego Alexandre o Grande, domina. Trata-se da situação que Jesus irá encontrar. A cultura helênica predomina.

Com essas etapas de sua revelação, Deus foi preparando e amadurecendo pedagogicamente o ser humano para receber o Cristianismo.

O NT não será uma etapa a mais, mas uma síntese de tudo isso, pois vai trazer no seu centro a pessoa de Jesus de Nazaré. Embora se inserindo na tradição do AT, Jesus revelará uma novidade radical a respeito de Deus. A partir dessa verdade absoluta e com a ajuda do Espírito Santo que é o teólogo original que está em nós, poderemos pensar e planejar a catequese segundo a pedagogia divina. E com certeza afirmar que é possível conhecer e falar de Deus nesse mundo hoje.

“Por isso os cristãos lêem o Antigo Testamento à luz de Cristo morto e ressuscitado” CIC129a. O Deus que é tudo em todos (ICor15,28) acompanha a evolução histórica de cada um de seus filhos e filhas hoje e sempre.

Que o próprio Deus nos ajude a olhar para a história da salvação e nos faça compreender melhor os problemas que a catequese enfrenta nos dias de hoje. E que junto com Maria possamos corrigir a nós mesmos e a nossos projetos, buscando numa prática transformadora e comprometida à construção do reino de Deus aqui e agora.

Conclusão:

Desde o instante que Deus decidiu revelar-se à humanidade, através do povo de Israel, ele se revelou como ele é: comunhão eterna de três Pessoas. Ele se revela totalmente, isto é, trinitariamente, como Pai, Filho e Espírito Santo. Mas Israel não tinha condições de captar totalmente o mistério trinitário de Deus. Por isso mesmo Deus se revela de maneira pedagógica, aos poucos. A Abraão, que vivia no meio de povos que tinham vários deuses, ele se revela como Deus de um povo. Vai trabalhando a consciência do povo, até que os israelitas, pela voz firme dos profetas, cheguem ao conhecimento de que Deus é um só, de que os deuses dos outros povos eram ídolos. Até que, enfim, em Jesus de Nazaré, ele seja revelado como Deus – Trindade.

Nessa história de quase dois mil anos, de Abraão a Jesus, a revelação é progressiva. É o mesmo Deus que se revela na história do povo de Deus, respeitando a sua caminhada. Assim é que no AT, temos uma infinidade de imagens de Deus. Para entendê-las devemos levar em conta o contexto histórico, político, social e espiritual de cada livro da Bíblia. Temos por exemplo: o Deus do Êxodo, libertador que tirou o povo da escravidão do Egito; o Deus da aliança que escolheu Israel como seu povo; o Deus da lei, que deu ao povo o decálogo; o Deus da monarquia, guerreiro que defende o seu povo, com violência sobre os outros povos; o Deus dos profetas, contrário aos cultos falsos e assim por diante. Cada uma dessas imagens só pode ser entendida no seu contexto. Qual é o seu contexto, sua caminhada e experiência da revelação de Deus?

Referências Bibliográficas

Alberich, Emílio, Catequese Evangelizadora: Manual de Catequética Fundamental – São Paulo Ed. Salesiana, 2004

Bingerme, Maria Clara & Feller, Vitor Galdino – Deus Trindade: A Vida no Coração do Mundo

CIC- Catecismo da Igreja Católica – 6ª Edição – Vozes, 1993

Congregação para o Clero: Diretório Geral para a Catequese – Paulinas,1990 – São Paulo

Diretório Nacional de Catequese – Doc nº 84 – CNBB – 2ª Edição – Paulinas, 2006

Documento de Aparecida – V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe – Paulinas – 2007

Catechesi Trandendae – João Paulo II – Vaticano, 1979

Livro do Catequista: Fé, Vida, Comunidade – Centro Catequético Diocesano – São Paulo : Paulus, 1994

Panorama da História da Bíblia – José M de Medeiros, Paulus -9ª Edição - 2004

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