quinta-feira, 4 de março de 2010

Espiritualidade e vocaçao do catequista - Pe Paulo

VOCAÇÃO E ESPIRITUALIDADE DO CATEQUISTA

Pe Dr PAULO F DALLA DEA

Existe uma espiritualidade do catequista? O que é espiritualidade? De onde ela brota? Ela tem a ver com movimentos tipo RCC, Catecumenato ou Folcolares? Muitas são as perguntas a ser feitas neste assunto, por isto, vamos começar pelo início. O que é espiritualidade?

Spiritu [i]” do latim, vêm de sopro, o que dá vida. Espiritualidade quer dizer exatamente isto: uma relação com Deus que possa dar vida e valor à realidade e à vida das pessoas. É a partir deste prisma que a pessoa tira forças em momentos difíceis e em momentos de crise (de vida, de valores, de fé). Toda espiritualidade cristã parte do Batismo.

O Batismo nos dá a graça de sermos Filhos de Deus, salvos por Jesus Cristo e santificados pelo Espírito.

Filhos: ser (existência), dom (hereditariedade) e de posse (herança) – o Batismo nos confere uma identidade nova, marcada pela Graça de Deus em nós. Nos confere os dons de Deus e a posse em uma nova Terra Prometida (herdeiros de Abraao – Gn 12)

Salvos: somos irmãos de Cristo (Filhos no Filho), participamos da encarnação da humanidade em Deus pela Cruz e ressurreição. E Jesus Cristo nos deixou a sua Igreja como dom da ressurreição. A Igreja nasce da morte e ressurreição de Jesus, como dom de sua permanência entre nós. E isto nos funda a fraternidade pascal, fonte da nova vida dos ressuscitados. A Igreja não é um grupo de pessoas que se comportam assim ou assado, mas um grupo de discípulos que querem escutar e conviver com o mestre de Emaús (Lc 24).

Santificados e apóstolos: de Pentecostes nasce uma Igreja missionária, animada na força do Espírito. A partir desta força somos animados para transbordar alegria e paz, levando a outros o testemunho de comunhão com todos os discípulos e com o Cristo Ressuscitado. A Igreja é entranhadamente missionária, porque compartilha a alegria do discipulado.

É a partir desta graça que entendemos o catequista: ele é testemunha de sua própria fé, de sua conversão de vida e de seu discipulado com o Ressuscitado. Ele é missionário não porque alguém o disse, mas porque faz parte de sua própria fé e de sua vida com Deus partilhar o que se viveu, o que se sente e o que se experimenta.

Quais são as bases de uma espiritualidade da catequese?

1. A fé: ouvir a Palavra de Deus e ser abastecido e alimentado por ela faz com que a fé se exercite. Como o catequista é ministro da Palavra, ouvir e deixar se questionar pela Palavra alimenta a fé e a faz crescer e robustecer. Entendemos assim a necessidade da leitura orante da Bíblia e da Liturgia das Horas, assim como a leitura diária da Palavra, através do Lecionário Ferial e Dominical. É a Palavra que nos educa e fortalece a fé.

2. A esperança: a celebração do mistério pascal de Cristo nos remete a uma espiritualidade da sua vinda, na esperança da volta e no exercício de uma espiritualidade que exercite a paciência do esperar. O que é a Eucaristia senão o exercício contínuo da espera das realidades definitivas? Celebrar a eucaristia é já experimentar o que ainda não chegou, mas que já se anuncia a partir das realidades sacramentais, garantia do que virá.

3. A caridade: a fé e a esperança têm caráter provisório, enquanto o definitivo é a caridade, manifestação mesma da própria essência divina. Onde existe a caridade, Deus está aí. O exercício da catequese está diretamente ligado a esta realidade: é porque queremos bem e nos preocupamos com as pessoas que queremos que elas experimentem a mesma realidade interna de plenitude que é a morada do Deus Triúno em nós e a sua ação na vida. A ação catequética tem sua raiz aí: na felicidade em plenitude da vida cristã dos discípulos de Emaús, que reconhecem o Senhor ao partir o pão.

O ministério da catequese brota desta última virtude (= força) teologal: a missao e a catequese brotam do AMOR CARITATIVO que há entre a pessoa e Deus e a pessoa e os seus relacionamentos humanos. A missão da Igreja – embora muitos possam pensar assim – não brota do desejo proselitista de aumentar as fileiras do meu grupo, de engrossar e dar maior densidade política (em todos os sentidos) do grupo, mostrando-o para a sociedade como força. Mas a missão da Igreja nasce do transbordamento da experiência da pessoa com o Senhor Jesus Ressuscitado. Como em Pentecostes, a missão dos discípulos foi a coroação dos 50 dias de experiência com o Ressuscitado, de fraternidade pascal e da força do Espírito que impulsionou os Apóstolos. Mais do que um mandato de fora pra dentro, a missão brota da experiência com o Ressuscitado, como Emaús (Lc 24). Mais do que um ato de proselitismo, a missão brota da necessidade de partilhar esta experiência vital com as pessoas que se quer bem. É mesmo uma partilha com aqueles que ama, porque se quer distribuir esta experiência tão boa que é o relacionamento vital com o Deus Triúno.

Assim, não podemos falar nunca de um professor, de um mestre ou de um pedagogo[ii] na fé: podemos apenas – como catequista – partilhar a experiência de discipulado que o Senhor nos concedeu. O ministério da catequese brota da caridade da Igreja para com as pessoas. Ao falarmos da caridade, lembramos de esmola, de cuidados aos doentes, de socorro a situações de emergência (terremotos no Haiti e Chile), mas nos esquecemos de que a evangelização brota da caridade que transborda. Quem tem a experiência com Deus, quer derramá-lo, passá-lo, transbordá-lo. Por isto, a catequese é missionária: é da mesma fonte de Pentecostes. Isto é próprio de quem está cheio e não de quem está vazio.

O catequista pode rezar muito e não ter espiritualidade, porque ela é que dá força vital para impulsionar os atos práticos que decorrem da espiritualidade que se tem. Um catequista que tem dificuldade de ânimo para realizar qualquer coisa, se renovar e fazer bem feito o seu trabalho catequético de partilha da fé, pode rezar muito, mas não ter espiritualidade, porque a sua oração não é verdadeira ou é muito deficiente. O catequista que faz tudo de má vontade, que não participa de reuniões, não consegue trabalhar junto com ninguém, precisa se questionar sobre a sua espiritualidade.

Na Eucaristia, fazemos nosso discipulado e dela é que brota a missão. O trabalho de catequese não é de passar um conteúdo, mas realizar um trabalho de introdução da pessoa (criança, adolescente, jovem, adulto ou idoso) no discipulado com Cristo. Quem faz o discipulado é o mestre Jesus (Jo 1, 38-42): Jesus diz, Vem e vê! (Ou seja: “Faça a experiência!”) André apresenta o irmão a Jesus: esta é a missionariedade, que não brota do proselitismo, mas do amor pelo irmão. O importante da catequese é o discipulado que precisa ser realizado com a pessoa (pessoinha ou pessoona...) e com sua família.

Sem este discipulado, vamos dar hóstias para todos, sem a correspondente evangelização. Gastar milhares de hóstias por mês não é critério de evangelização, mas de uma massiva sacramentalização, que pode ser deficiente de Evangelho. Estamos precisando de catequistas que tenham amor exclusivo pelo Evangelho de Cristo e pela pessoa que se está trabalhando, evangelizando. E isto resolve um monte de problemas gerados pelos preconceitos: problemas de gênero, de raça, de condição social, de cultura, de status social, etc. Se a catequese parte da atitude de amor ao Cristo e da pessoa que está sendo evangelizada, supera-se qualquer preconceito, qualquer dificuldade. Aprende-se a trabalhar com a pessoa, a conviver com ela.

A catequese não é a fé, não é a esperança, mas é a caridade posta em prática. A fé deve-se ter e exercitar, a esperança tem que ser celebrada, mas é na caridade que brota uma boa catequese, um bom discipulado.

O teólogo luterano D. Bonhoeffer faz uma distinção entre graça barata e graça preciosa. A graça de Deus tem exigências (graça preciosa), Deus dá de graça, mas exige resposta de nossa parte, de forma que o discipulado é exigido e não é opcional. Nós, católicos romanos, temos a tendência de baratear a Graça, dando sem critério os sacramentos, sem exigências maiores de conversão e de vida. Aí as pessoas recebem e não dão valor nenhum. As igrejas evangélicas têm muitas exigências de vida para se manter fiel da Igreja. O discipulado é exigido e a partir daí o fiel diz: encontrei Jesus. Peraí, consoco as pessoas não podem encontrar Jesus? Qual a diferença entre um católico que recebeu o sacramento de qualquer jeito (ás vezes, sendo empurrado para isto: Graça barata) e um evangélico que (depois de receber o sacramento da Igreja Católica) encontrou Jesus? É o discipulado que faz toda a diferença na vida desta pessoa, que – se for sincera – muda de vida e de atitudes para com Deus e para com os irmãos. É este discipulado que está fazendo a diferença e que nós precisamos iniciar na catequese. Sem ele, haverá sacramentalização, mas não evangelização. Claro que uma coisa não anula a outra, mas a evangelização é condição necessária pra se receber o sacramento e não o contrário, como está havendo em muitos lugares.



[i] (es..ri.to) s2g. 1. Componente não corporal de ser humano vivo, que segundo crenças religiosas ou de outra natureza sobrevive à morte do corpo; ALMA 2. O conjunto de atributos, funcionalidades e características não materiais do ser humano; ALMA 3. Rel. Suposta entidade imaterial, superior às coisas terrenas 4. Rel. Para os espíritas, a alma dos mortos desencarnados. 5. Rel. Qualquer entidade sobrenatural, seja do bem, seja do mal (espírito demoníaco, espírito iluminado) 6. Princípio vital, que existe à parte da matéria e que insufla vida aos seres e coisas materiais; SOPRO. In: Dicionário Caudas Aulette: (http://aulete.uol.com.br/site.php?mdl=aulete_digital&op=loadVerbete&pesquisa=1&palavra=espirito, 3 de março de 2010)

[ii] Há quem diga de pedagogia da fé, mas em outro sentido. É possível e desejável que o catequista saiba técnicas e teorias sobre a prática pedagógica, mas ele é ANTES DE TUDO E DE QUALQUER OUTRA COISA, um testemunha da vida do Cristo Ressuscitado que age e transforma a sua vida. O ministério da catequese só pode brotar da caridade transbordante da experiência pascal da vida em Igreja. Catequista que é bom pedagogo, mas não é testemunha da fé, soa falso. Se o catequista é testemunha, ele aprende a pedagogia e as técnicas de ensinar; mas se ele for bom pedagogo, mas não for testemunha, nada resolve.

No evangelho das tentações (Mt e Lc), o demônio discute com Jesus, baseado na Palavra de Deus. O demônio também tem fé, mas não consegue viver a Palavra, porque ele não é discípulo de Jesus (pelo contrário, tenta transformar Jesus em seu discípulo) e nem consegue sair das discussões e palavras vazias.

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