quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Aula de catequese, evangelizaçao e missao - Pe Paulo

Catequese: evangelização e missão

Pe Dr Paulo F. Dalla-Déa,

Teólogo membro da SOTER e do GRECAT.

paulo_fernando@hotmail.com

Antes de qualquer coisa, quero lembrar a todos os leitores que este é um texto prévio, que procura, a partir da minha visão e experiência catequética, realizar uma espécie de ensaio teológico para as aulas de catequese da Escola Diocesana de Catequese da diocese de São Carlos – SP. Não pretendo ser mais nada do que isto: uma visão rápida e introdutória sobre o assunto, que toca dois polos importantes da Teologia Pastoral: a catequese e a missão da Igreja. Aqui me refiro sempre à ICAR[i], salvo citações pontuais apontadas no texto.

A contextualização da catequese hoje: UM POUCO DE HISTORIA RECENTE

A catequese de hoje anda em fase de profunda reformulação: estamos tentando sair de uma catequese profundamente doutrinária e cerebral para uma catequese mais vivencial e simbólica. Os passos desta caminhada não são muito pequenos. A caminhada começou depois que Martinho Lutero publicou os seus célebres CATECISMO MAIOR e CATECISMO MENOR, ambos publicados pelo ano 1529, na Alemanha. Aí o termo foi criado e – posteriormente – usado também pela ICAR, o que fez constituir um gênero novo de literatura. A partir deste fato, a ICAR começou a publicar, seguindo o exemplo de Lutero, livros e mais livros para esclarecer as mentes e as ideias, imaginando que isto resolveria o problema. Concordo que foi um salto de qualidade para o cristianismo da maior parte do globo terrestre, excluindo a caminhada da Igreja Ortodoxa, que tem história à parte.

No início do século 20 (1905), tivemos um papa com muita preocupação pastoral e que fez com que saíssemos do Catecismo de Trento e déssemos um passo: Pio X. Sem mexer no conteúdo do Catecismo de Trento (publicado em 1566 por Pio V), deu um novo impulso à catequese, transformando o Catecismo num manual de perguntas e respostas simples para o povo e dando nova configuração à catequese. Muitos de nós passamos por esta catequese de Pio X.

No Brasil, o Pe Álvaro Negromonte, grande catequista, tentou uma renovação na década de 1940. Jesuíta e adepto da Escola Nova, procurou renovar a catequese com esta pedagogia inovadora. Foi através dele que a pedagogia do Brasil teve avanços. A catequese continuava conteudista, mas se tentava dar uma roupa nova para o mesmo conteúdo. Foi a época que as catequistas foram treinadas junto às escolas normais: este também foi um avanço: os leigos foram incorporados à catequese, já que antes eram usados apenas os párocos para tal.

A revolução do Vaticano 2º no pensar e no agir da Igreja também representou um furacão na catequese: foram criados muitos textos que atiravam para diversos ângulos e se contradiziam. A catequese era reflexo das contradições da própria Igreja, que queria se renovar e resistia a isto, ao mesmo tempo. Grupos defendiam suas posições tanto políticas como ideológicas/doutrinárias. A renovação e a tradição estavam em choque e isto refletia também na catequese e nos manuais feitos. Muitos manuais desta época refletiam a vontade da Igreja de sair de si e de entrar no mundo da política e na sociedade, como forma de servir ao Evangelho de Cristo. Não podemos esquecer que a Igreja foi – contraditoriamente – ajudante do regime militar (alguns grupos) e resistência a ele (alguns grupos). Estar na Igreja Católica nesta época foi ser parte de um processo de resistência de esquerda. Daí nasceram os atuais partidos políticos que temos, muitos dos quais nasceram no seio da Igreja Católica, de sua militância.

Como finalização e assentamento de todo este processo de ebulição, após a queda do regime militar instaurado pelo Golpe de 1964, tivemos o documento Catequese Renovada (1983). Sem desconsiderar os avanços políticos da Igreja, o documento tentou renovar os pressupostos da catequese brasileira: sair do conteúdo da fé e passar para uma catequese que considerasse mais a vida e a participação do leigo na comunidade cristã. A própria Igreja é vista de forma diferente: mais como comunidade de fé e menos como estrutura internacional. Assim, a participação nas coisas da Igreja passa a ser mais exigida e o Evangelho deve atingir as realidades de fora, saindo apenas do critério conteudista. Há ainda o perigo de uma catequese focada na recepção dos sacramentos e ainda o documento focaliza o trabalho feito com crianças (e suas famílias, visto como complementar). O documento é um avanço na caminhada da Igreja do Brasil: dá direcionamento e vai ajudando as paróquias a caminhar de forma mais unitária. A partir dele, foram feitos outros documentos e outros textos, que junto com as Semanas Brasileiras de Catequese (até agora tivemos 3) foram dando outro rosto para a caminhada da catequese do país.

O papa João Paulo 2º escreveu vários documentos (Catechese Tradendae – 1979) e deu importância para a catequese, muito mais do que Paulo 6º (Evangelli Nuntiandi – 1975), além de mandar publicar o texto no novo Diretório Geral Para a Catequese (1989), já que o primeiro (Diretório Catequético Geral – 1971) de Paulo 6º nunca chegou a ser bem conhecido e aplicado no Brasil, devido ao seu contexto político e histórico e à ebulição teológico-eclesial do momento pós-Vaticano 2º. O novo Diretório Geral para a Catequese recolheu a experiência acumulada pós-Vaticano 2º pelas conferencias episcopais e pelos setores de catequese do mundo todo, já recomendando o método do Cardeal Lavigerie[ii] (fundador dos Padres Brancos), que evangelizou a população da África a partir da restauração do RICA (Rito da Iniciação Cristã de Adultos).

A catequese no Brasil entrou em crise em na década de 90, final do século 20, onde já especialistas e catequistas de base começaram a perceber que apenas uma catequese voltada para crianças e adolescentes não dava mais os resultados desejados. A sociedade havia mudado e a forma de evangelizar precisava acompanhar. Ao principio foram apenas alguns problemas e alguns sentimentos, mas aos poucos fomos percebendo que a realidade não era mais o que se tinha antes. Com o advento da Internet e sua revolução em todos os níveis, as novas gerações ficaram cada vez menos intelectualizadas e mais icônicas, o que valia dizer que o elemento simbólico e não-intelectual tinha entrado para ficar na vida das pessoas. O secularismo avançou na Europa e no Brasil, exigindo uma resposta da Igreja Católica a este fenômeno. O RICA entrou neste contexto: a Igreja do Brasil está apostando na evangelização de adultos e na renovação de uma catequese menos intelectualizada e mais comprometida com Jesus Cristo e seu projeto de Reino de Deus. A catequese está sendo vista como a etapa necessária de um novo processo de evangelização, que envolve muitos outros elementos mais do que o conteúdo formal e correto da doutrina. O século 21 pede a resposta da Igreja numa “nova catequese” mais simbólica e menos sacramentalista.

Características de uma “nova catequese”:

Na 3ª SEMANA BRASILEIRA DE CATEQUESE, realizada em Itaici/Indaiatuba – SP, no ano de 2009, muitas coisas questionaram os participantes. Uma em particular provocou uma crise em todos: a conferência do Pe. Joel Portela, professor de teologia do Rio de Janeiro, onde ele demonstrou o foco dos e os problemas da catequese neste mundo em transformação[iii]. Ai as pessoas caíram na conta de que as coisas têm que ser de outro modo: o problema é que não descobrimos ainda a modo que deve ser e muita gente está apostando no modo antigo, ficando pé numa posição que há mais de dez anos a gente sabe que não está funcionando. Tem ainda os que apostam que a antiga sacramentalização vai resolver todos os problemas, como se – dando hóstia e crismando todo mundo fosse resolver o problema da falta de compromisso e de evangelização das pessoas do nosso tempo. E este é o maior problema de que teremos que enfrentar e não podemos fugir: ou a catequese colabora com a evangelização ou a catequese vai colaborar com a secularização e a falta de fé do mundo de hoje.

A aposta que a Igreja do Brasil está fazendo hoje tem um direcionamento muito concreto que vamos abordar agora:

a. Aposta em evangelização de adultos;

Durante séculos a Igreja encarou a catequese como um serviço à educação da fé de crianças, adolescentes e jovens. Muitos ainda acreditam nisto. O problema é que isto poderia ser verdade na época em que a cristandade vigia. Hoje, o normal não é mais ser cristão, quase está normal não ser cristão, nem ser católico. Portanto, não existe mais uma idade normal para se fazer primeira eucaristia, crisma, etc. A idade normal é aquela que a pessoa quer receber o sacramento, em que a pessoa tem disposição para receber Jesus e o seu projeto. Este é o essencial: sem receber Jesus e o seu projeto, o que adianta ser crismado? receber uma hóstia? Ou mesmo ser batizado? É a partir do projeto de vida de Jesus Cristo que se entende a recepção dos sacramentos cristãos e não o contrário...

Portanto, ao apostar na catequese e na evangelização de adultos, a Igreja está trabalhando a partir da realidade que existe e não a partir de uma realidade ideal: temos muitos adultos sacramentalizados que não entenderam nada do Evangelho. Eles dizem que entendem quando se tornam evangélicos: o que é um vergonha para nós. Porque enquanto eram católicos não foram evangelizados? Se nossa evangelização falhou com eles, não devemos aprender com nossos erros? Ou vamos continuar defendendo a manutenção dos mesmos erros? Ao evangelizar os adultos, temos uma chance com as crianças, porque elas são levadas à Igreja pelos adultos.

b. Evangelização vivencial, não apenas doutrinal;

Muitos ainda pensam uma catequese que seja conformidade a uma verdade dogmática. O problema é que a pessoa pode saber tudo o que precisa fazer e não fazer nada disto. Aí mora o perigo: haverá uma brecha entre a doutrina e a moral. O mundo hipermoderno é muito sensível a isto: coerência. A falta de coerência de muitos membros do clero gerou uma crise sem precedentes na Igreja. O problema com os escândalos de pedofilia se baseia nisto: prega-se uma coisa e se vive outra. Hoje o mundo precisa de testemunhos e não de pregações, como já alertava João Paulo 2º. A evangelização tem que atingir a pessoa por inteiro de forma global e coerente. Sem isto, não faremos os frutos de renovação e de evangelização de que precisamos no mundo de hoje. Ou seremos cristãos mais coerentes e mais fieis ou a sociedade nos rejeitará com falsos.

O RICA devolve a possibilidade de interação entre liturgia, vida pessoal e catequese. Uma integração que estava faltando há séculos. Que não incomodava tanto antes, mas que – agora que o mundo mudou tanto e continua mudando – parece fundamental e básica.

c. Evangelização centrada na Palavra e na Missão;

Nossos templos católicos são centralizados na mesa da comunhão. Mesmo com a renovação litúrgica, ainda temos problemas para valorizar a Palavra e a sua mesa. Isto nos parece sempre meio protestante, segundo a visão mais tradicional do catolicismo. Missão também: o sentido mais tradicional tende a perceber a missão como sendo em terras distantes. Em 1950, o abade Godin publicou o livro França, terra de missão? Onde já mostrava a possibilidade de se encarar a missão de outra forma. A missão é centrada na Palavra de Deus, enquanto quase toda a nossa pastoral se baseia na centralidade da recepção dos sacramentos. A Igreja, depois da Idade Média, nunca mais conseguiu se recuperar de uma cultura cristã, mesmo quando ela está fazendo água há muito tempo.

Não temos mais uma cultura cristã, há algum tempo. Por isto, precisamos agora evangelizar as pessoas, uma a uma. Assim já descobriram os protestantes há muito tempo e estão trabalhando assim, embora muitos de nós fiquemos apenas criticando e continuando não fazendo nada para mudar as coisas. Parece que temos uma tendência a continuar trabalhando no princípio de inércia.

Ser missionário é perceber os furos das coisas, das pessoas e das situações para trabalhar de forma eficiente. Ser missionário é trabalhar a partir da realidade que se tem, adaptando-se a ela para transformá-la. Ser missionário é sair do templo e encarar a Igreja como uma comunidade que é maior do que a assembleia celebrativa. O evangelho deve atingir a dimensão econômica, sexual-afetiva, grupal, educativa, imaginativa e se estender por outros campos que exigem uma conversão de atitudes de vida e não só adesão intelectual a uma verdade.

A missão empurra a Igreja a sair de si mesma, assim como o Espírito Santo empurrou para fora das paredes do Cenáculo os 11 Apóstolos (que já tinham experimentado a ressurreição, mas que continuavam com medo...). A missão não nasce de forma automática: ela é fruto de abertura para o Espírito Santo e para o mundo: a fidelidade a um exige a fidelidade ao outro.

d. Estar a serviço da adesão a Jesus Cristo, que exige conversão e compromisso com o Reino;

Depois do que refletimos aqui, precisamos concordar de que – mais do que receber os sacramentos em série – precisamos receber os sacramentos como parte de um processo de evangelização e crescimento na adesão a Jesus Cristo e a seu projeto. A Igreja é parte do projeto de Jesus sobre o Reino, embora não esgote o Reino e as suas manifestações. Se a Igreja não exigiu compromisso e adesão das pessoas em séculos atrás, ela devia ter suas razões e uma cultura cristã respaldava os furos da evangelização individual, alicerçando a comunidade. Havia o Estado, a cultura e outros meios de ser cristão fora da assembleia celebrativa dominical. Agora parece que o nosso cristianismo católico anda ficando cada vez estético e menos ético, cada vez mais celebrativo e menos comprometido. É preciso costurar estas pontas e o RICA nos dá a possibilidade de fazer um processo que estava esquecido da massa de cristãos. Ao redor da História da Igreja, o RICA se transformou na caminhada dos religiosos, composta de noviciado, de vestições, de votos e etc. O RICA não se perdeu na História da Igreja, apenas ficou restrito a uma adaptação feita para uma nata de cristãos que queriam a radicalidade evangélica. Agora, ou retomamos o processo restrito à vida religiosa e popularizamos para todos os cristãos, ou morreremos de sede em um mar salgado: sede fisiológica.

e. Ser discípulo missionário de Jesus Cristo e agir missionariamente;

Discípulo[iv] e apóstolo[v] são dois lados de um mesmo compromisso de vida com um Mestre: Jesus. O discípulo é aquele que escuta, aprende e segue Jesus, o seu mestre. Apóstolo é aquele que é testemunha do mesmo mestre: Jesus. A catequese clássica, que brotou do Concílio de Trento insiste na necessidade urgente de se tornar discípulo. Isto gerou inumeráveis gerações de cristãos que precisavam aprender (e para isto, precisavam se manter na Igreja numa atitude passiva, quase que eterna) diante de pessoas mais esclarecidas, estudadas, com mais espiritualidade e com mais tudo. Estes eram os membros do clero: padres e bispos[vi].

Assim, os leigos eram aqueles que deveriam aprender, escutar: ser leigos, no sentido mais comum da palavra. Os leigos agora estão assumindo mais as suas funções e as sua atribuições, mas ainda temos uma catequese que privilegia o discipulado, no sentido mais mesquinho e negativo da palavra: um eterno aprendiz que nunca terá nada a dizer para a sua Igreja. Precisamos sair deste círculo vicioso: precisamos de apóstolos. Gente que – sem deixar de ser aprendiz da vida e do mestre – também saibam dar sua contribuição, que tenham o que falar e o que ensinar a todos. Aos seus pares que não tem fé e aos membros do clero, que não precisam ser mais encarados como membros todo-poderosos de uma hierarquia sagrada que divide e exclui. Todos somos ovelhas do único pastor: o Cristo.

Precisamos de gente que saibam agir fora dos muros da Igreja: que consigam sair da sacristia, que consigam serem testemunhas de um Evangelho que não é projeto para um mundo antigo, mas que tenha o que falar para o século 21, neste contexto capitalista e urbano na sociedade brasileira. Sem dúvida, nós padres, teremos muita coisa a aprender com estes “leigos”. O grande desafio do século 21 não é ser leigo ou ser clero: é o de ser apóstolo do Evangelho. Por isto, este projeto de Cristo tem que nos tocar a todos, exigindo conversão e missionariedade (paixão).

Passos para serem percorridos

Estas foram algumas reflexões necessárias para hoje. Sei que o caminho está sendo percorrido, a partir de muita resistência e de ganhos necessários no processo. Para uma catequese comprometida com uma mudança profunda e com uma evangelização necessária e atrasada. Poderemos chamar esta de uma “nova catequese”? Não sei. Apenas sei que precisamos de uma reviravolta boa e produtiva na Igreja de hoje. A nova proposta do RICA dá uma perspectiva nova de solução para os velhos problemas que tínhamos. Só não podemos ficar com medo...

Para tal, será preciso ter algumas atitudes que são imprescindíveis entre nós católicos e que poucos temos:

· Restabelecer contato com a pessoa real e seus problemas (quem estamos evangelizando e em que situação existencial?);

· Restabelecer contato com a comunidade eclesial (a comunidade é o objetivo da catequese e a sua razão de ser e não o sacramento a ser recebido: ele só tem sentido em comunidade de fé);

· Restabelecer contato com a sociedade política (pessoas e grupos precisam ser responsabilizados com relação à sua atuação social e política também dentro da Igreja, de forma que todos sejam responsáveis pelo testemunho de Evangelho que damos hoje);

· Restabelecer contato com outras visões de mundo: (por uma catequese menos umbilical-católica e mais aberta ao ecumenismo e às outras formas de ser cristão).

Espero mesmo que a gente – nesta nova proposta – consiga juntar três coisas necessárias: doutrina, liturgia e testemunho político. Só assim vamos evangelizar de forma eficaz no século 21; sendo mais fieis ao Cristo e ao seu projeto que atua em Igreja.

Leitura complementar:

LIBANIO, J B – Catequese e catecismo. In: http://www.jblibanio.com.br/modules/smartsection/item.php?itemid=18, 09/08/2010.

RITO DA INICIAÇAO CRISTA DE ADULTOS – introdução



[i] ICAR = Igreja Católica Apostólica Romana

[ii] Cardeal Lavigerie ((* 31 /09/1825 – + 26/11/1892), fundador dos Missionários da África ou Padres Brancos, foi professor de História Eclesiástica em Paris, sendo depois nomeado Arcebispo da Argélia, onde fez um trabalho extremamente coerente e bem feito de evangelização entre os africanos, tendo restaurado o processo catecumenal como processo evangelizador extremamente eficaz.

[iv] Discipulum vem do verbo latino discere, dizer. O que aprende.

[v] Apostolein = enviado; aquele que representa alguém; em lugar de

[vi] Os diáconos foram há pouco restaurados na Igreja.

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